Abri os olhos devagar, para suportar a dor causada pela luz. Como todo resto do pequeno quarto que descobri que estava, ela era muito branca, muito fria. No quarto, só eu, amarrado firmemente a uma pequena, mas sólida, cadeira de madeira. Não tinha janelas, não tinha cheiro, não tinha sons. Eu vestia apenas uma bermuda velha, a que sempre uso para dormir.
Ouvi uma porta fechando atrás de mim. Não ouvi nada, a não ser o clique da fechadura. Tentei me virar, mas logo ela estava na minha frente. Morena, magra, bonita, cabelos presos em um longo rabo de cavalo, trajando um jaleco, também branco.
- Onde eu estou? - perguntei.
- Esta é a menor das suas preocupações. A pergunta correta é: porque você está aqui?
- E por que estou aqui?
- Respostas. Você as tem, eu as quero.
- Não entendi...
- Quantos são?
- O quê?
- Quantos são?
- Não estou enten...
A dor foi tão forte que nem consegui gritar. Um chute preciso, coisa de quem sabe o que faz, e a unha de meu dedão levantou. Antes de pensar em algo, veio o pisão no pé, virando a unha para trás e causando uma dor ainda maior. O branco da sala já não era mais tão branco. O vermelho do meu sangue já tingia um pedaço do chão. Apesar disso, o tom do voz não se alterou?
- Quantos são? - disse, enquanto tirava um pequeno frasco do bolso.
- Eu não sei, não sei quantos o quê, não sei do que está falando.
- Quantos são? - abaixou e despejou um pouco do conteúdo do frasco em meu pé. A dor, lancitante, começou a diminuir.
- Olha, você deve estar me confundindo com alguém. Eu não sei do que você está falando.
Dessa vez foi a surpresa, e não a dor, que me impediu de gritar. O chute foi tão forte que comecei a desconfiar que ela não era uma mulher, mas um robô. Bem abaixo do meu olho esquerdo, com precisão. Mais uma vez, o branco foi manchado, pois cuspi um bom tanto de sangue. E sua voz, inalterada, insistia.
- Quantos são?
- Doze!
Dor.
- Vinte e cinco!
Dor.
- QUARENTA, PORRA!!!!
Mais dor.
E assim foi. Não sei quanto tempo, até eu sentir que ia desmaiar. Então ela tira o frasco do bolso e fica atrás de mim. Enquanto fala comigo, vai passando o conteúdo do frasco nas partes que ela surrou. A dor vai diminuindo, mas percebe-se que é passageiro
- Olha, ninguém vai aliviar para você. Te entregaram mesmo antes de eu insistir. Ninguém se preocupou com você, não se preocupe com eles. Não existe mais heroísmo no mundo, não adianta achar que você será lembrado como o cara que resistiu a tudo, que não entregou ninguém. Ninguém vai lembrar de você, nem como traidor e nem como mártir. Use isso a seu favor.
A voz era doce, quase maternal. Ainda sob efeito das pancadas, parecia quase se importar comigo.
- Está melhor? Está doendo menos? Entenda, eu posso fazer doer, e posso fazer parar. Sem respostas, dor. Respostas, sem dor. É simples. Em cinco minutos você pode sair daqui e ir para casa. Então, seja esperto, não tente bancar o herói. Me diga: Quantos são?
- Por favor - comecei, com a voz que consegui arrumar - eu não quero ser herói, nem mártir, nem coisa nenhuma. Eu falo o que você quiser, de quem você quiser, mas você tem que me dizer do que está falando. Eu não sei quantos o quê você quer que eu te diga quantos são, mas se me dizer e eu souber, eu falo sim.
De trás de mim, onde estava, puxou com força minhas mãos para trás. Todos os dedos quebrados de uma vez só fez com que eu gritasse sim, com muita força. Bobagem. Pude ver que ela ficou muito feliz. Já estava pensando no que responder quando me perguntasse de novo, mas ela não perguntou nada. Apenas repetiu o movimento, agora na outra mão. A dor era insuportável, agora. Achei que iria desmaiar, mas um novo frasco foi agitado em frente ao meu nariz e me deixou desperto como eu nunca quis estar.
Sem pressa, ela focou os esforços em partes do corpo que causam mais e mais dor. Rins, cabeça, joelhos, virilha. O quarto e as roupas brancas dela já eram vermelhos. Meu vermelho. Quando achei que ia morrer, ela parou. Ouvi o clique na maçaneta da porta e sua voz, calma:
- Ainda não terminamos nossa conversa. E ela só termina quando você me dizer o que quero saber.
Fechou a porta com suavidade e então, todo o branco sumiu, numa escuridão que parecia não ter fim.
11 de junho de 2007
Respostas - Parte 1
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Um comentário:
ai...
Muito bem escrito, mas....
... quantos são? ;P
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